la vida no es una frutilla


quarta-feira, 22 de julho de 2009

O Tempo e o Vento

Ontem foi um dia de chuva incomum em Buenos Aires. É raro chover o dia todo, especialmente nos dias úteis. Passada a chuvarada começou a ventar. Ventou a noite toda, eu escutava pela janela do quarto. E apesar da calefação ligada, sentia o friozinho passar pelas frestas, o gelado desafiando o calor seco da estufa. O dia amanheceu ensolarado e barulhento, o vento querendo derrubar portas e janelas. Aos poucos o céu foi ficando cinza, e a TV segue mostrando imagens de províncias e cidades argentinas onde neva. Diz que a aguanieve chegou a Ezeiza, muito perto da Capital, então ficamos à espera da imagem de uma Buenos Aires coberta de branco. Não creio.

Enquanto isso, o vento me fez lembrar da Ana Terra. Ana Terra tinha uma relação especial com o vento, o vento norte. Minha mãe também fica irritada com o vento. Parece que minha avó Maria também não gostava, as portas batendo, as coisas voando e se quebrando. Não sei se o vento que bate à minha janela vem do norte, mas é forte, do tipo que bate porta. Me dei o tempo de uma térmica de mate para escrever. Fui buscar as passagens de O Continente em que o gênio Erico Verissimo descreve a relação de Ana Terra com o vento. Encontrei passagens preciosas, e não resisti a reler o encontro de Ana Terra com o índio Pedro Missioneiro, fantasia que por muito tempo me acompanhou na adolescência e que para resguardar seu encanto eu nunca assisti ao seriado da Globo.

Para relembrar ou morrer de vontade de ler:

"E de novo o povoado ficou quase deserto de homens. E outra vez as mulheres se puseram a esperar. E em certas noites, sentada junto do fogo ou à mesa, após o jantar, Ana Terra lembrava-se de coisas de sua vida passada. E quando um novo inverno chegou e o minuano começou a soprar, ela o recebeu como a um velho amigo resmungão que gemendo cruzava por seu rancho sem parar e seguia campo afora. Ana Terra estava de tal maneira habituada ao vento que até parecia entender o que ele dizia, nas noites de ventania ela pensava principalmente em sepulturas e naqueles que tinham ido para o outro mundo. Era como se eles chegassem um por um e ficassem ao redor dela, contando casos e perguntando pelos vivos. Era por isso que muito mais tarde, sendo já mulher feita, Bibiana ouvia a avó dizer quando ventava: "Noite de vento, noite dos mortos..."

"Sozinha no seu quarto, sentada na sua cadeira de balanço, e enrolada no seu xale, a velha Bibiana espera... O quarto está escuro, mas para ela nestes últimos anos sempre, sempre é noite, pois a catarata já lhe tomou conta de ambos os olhos. (...)Viu guerras e revoluções sem conta, e sempre ficou esperando. Primeiro, quando menina, esperou o pai; depois, o marido. Criou o filho e um dia o filho também foi para a guerra. Viu o neto crescer, e agora Licurgo está também na guerra. Houve um tempo em que ela nem mais tirava o luto do corpo. (...) Como o tempo custa a passar quando a gente espera! Principalmente quando venta. Parece que o vento maneia o tempo."

"Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando"-costumava dizer Ana Terra."

"
- Meu nombre é pedro
- Pedro de quê?
- Me jaman Missioneiro
Maneco lançou-lhe um olhar deconfiado.
- Castelhano?
- No.
- Continentino?, -no.
- Donde é, então?
- De parte ninguna.
Maneco Terra não gostou da resposta. Foi com voz irritada que insistiu: - Mas onde foi que nasceu?
- Na mission de San Miguel.
- Qual é seu ofício?
- Ofício?
- Que é que faz? Em que trabalha?
- Peleio."

"Aquele verão foi seco e cruel. Quando o áspero vento norte soprava Ana Terra ficava de tal maneira irritada, tão brusca de modos e palavras, que dona Henriqueta murmurava: "O que essa menina precisa mesmo é casar duma vez..."

6 comentários:

Anônimo disse...

Perfeito. Aqui foi assim, tb, a noite passada. Agora começa a esfriar e, em qualquer tempo, a saudade apertar.Vmos desencontrar nossos tempos em buenos aires, ams termaos muitos aqui. A saudade tá muito grande. Amei o blog. Beijos

Unknown disse...

Quem é o anonimo? Lucas ou Rita? Tá cheirando a Lucas.
Sobre Ana Terra, até hoje quando venta eu lembro sempre da frase "Noite de vento, noite de mortos". Pra mim, é clássica.

Anônimo disse...

Não sou eu!!!!! Mas também quero havannets!!!!!
bjos pras duas
Rita

Super disse...

êê!1 reunião das 3 aqui no brógui de novo!

Unknown disse...

amo! tb fiquei com saudades!

alice disse...

lindo de morrer.
emocionante.

beijos saudosos

Total de visualizações de página

Intensidades até aqui